Autor: Maj PM Maciel Lima
A Lei 15.049, de 3 de julho de 2013, em seu Art. 2º alterou o inciso II do Art. 10, da Lei 6.784, de 16 de outubro de 1974, traduz-se em medida que fere a Constituição por impor uma desproporcionalidade entre a promoção por merecimento e antiguidade, ferindo o princípio constitucional da proporcionalidade.
A Lei 15.049, de 03 de julho de 2013
Art. 2º - O artigo 10 da Lei nº 6.784, de 16 de outubro de 1974, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 10............................ .............................. .............................. ........
.............................. .............................. .............................. ..............
II – Para os postos de Major PM, Tenente-Coronel PM e Coronel PM: três por merecimento e uma por antiguidade. (NR)
III – Revogado
.............................. .............................. .............................. .............”
É cediço que a promoção por merecimento é corolário ao princípio constitucional da eficiência na Administração Pública de modo que se reconheçam os bons trabalhos desempenhados pelo servidor, como forma de fomentar tal princípio. Por outro lado, temos a promoção por antiguidade como corolário do princípio constitucional da Hierarquia e Disciplina, base das instituições militares no Brasil, conforme Carta Magna de 1988 em seu Art. 42 e 142, in verbis:
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (grifo nosso)
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina,sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifo nosso)
A antiguidade está inserida no princípio da Hierarquia e Disciplina e se extrai da definição do que é hierarquia nas instituições militares. De acordo com o caput do Art. 14, e § 1º, da Lei 6.880, de 09 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares da União, a hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, trazendo a antiguidade como ordenação da autoridade dentro de um mesmo posto ou graduação, significando que a antiguidade representa um nível de hierarquia que qualifica determinado militar como autoridade acima de outro militar menos antigo:
Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.(grifo nosso)
§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. (grifo nosso)
A importância do princípio da antiguidade na hierarquia militar é tão significativa que irradia até mesmo ao diploma processo penal militar. São vários dispositivos do Código de Processo Penal Militar (CPPM) que contemplam o princípio da antiguidade; o art. 7º, § 3º, trata de regras de delegação para Inquérito Policial Militar qualificando o instituto da antiguidade para tal fim:
Art. 7º. A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, ...
§ 3º. Não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo.(grifo nosso)
O § 4º do mesmo artigo não deixa dúvidas da importância da antiguidade como princípio da hierarquia e disciplina ao determinar a convocação de militar da reserva remunerada para proceder a Inquérito Policial Militar:
Art. 7º. A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, ...
§ 5º. Se o posto e a antigüidade de oficial da ativa excluírem, de modo absoluto, a existência de outro oficial da ativa nas condições do § 3º, caberá ao ministro competente a designação de oficial da reserva de posto mais elevado para a instauração do inquérito policial militar; e, se este estiver iniciado, avocá-lo, para tomar essa providência. (grifo nosso)
A antiguidade é mais uma vez invocada pelo Códex processual militar para definir a substituição do Presidente do Conselho de Justiça, quando da necessidade deste nos atos probatórios:
Art. 390. O prazo para a conclusão...
§ 6º. Para os atos probatórios em que é necessária a presença do Conselho de Justiça, bastará o comparecimento da sua maioria. Se ausente o presidente, será substituído, na ocasião, pelo oficial imediato em antigüidade ou em posto. Juntada da fé de ofício ou antecedentes. (grifo nosso)
A antiguidade é princípio da hierarquia e disciplina presente em todos os diplomas estatutários das instituições militares do Brasil, a começar pelo Estado de Pernambuco conforme Lei 6.783, de 16 de outubro de 1974 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco), que a insere no caput do Art. 12, e § 1º:
Art. 12 - A hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. (grifo nosso)
§ 1º - A hierarquia policial-militar é a ordenação de autoridade em níveis diferentes, dentro da estrutura da Polícia Militar. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou de uma mesma graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. (grifo nosso)
A fim de consubstanciar tal afirmativa citem-se os seguintes Estatutos de Policiais Militares:
Lei 443, de 1º de julho de 198, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro:
Art. 12 - A hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º - A hierarquia policial-militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes, dentro da estrutura da Polícia Militar. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou de uma mesma graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.
A Lei Nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina:
§ 1
Lei Complementar 10.990, de 18 de agosto de 1997, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul:
Art. 12 - A hierarquia e a disciplina militares são a base institucional da Brigada Militar, sendo que aautoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º - A hierarquia militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes, dentro da estrutura da corporação, sendo que a ordenação se faz por postos ou graduações e, dentro de um mesmo posto ou de uma mesma graduação, se faz pela antigüidade no posto ou na graduação, consubstanciada no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.
Lei 7.289, de 18 de dezembro de 1984, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal:
Art 13 - A hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar, crescendo a autoridade e a responsabilidade com a elevação do grau hierárquico.
§ 1º - A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura da Polícia Militar, por postos e graduações. Dentro de um mesmo posto ou graduação, a ordenação faz-se pela antiguidade nestes, sendo o respeito à hierarquia consubstanciado no espírito de acatamento da autoridade.
Os diplomas legais apresentados afirmam taxativamente que hierarquia militar é a ordenação de autoridades, e qualifica a antiguidade como ordenação de autoridades dentro do mesmo posto ou graduação, logo não há como se furtar em não reconhecer que dentro do mesmo posto ou graduação o policial militar mais antigo está acima do policial militar menos antigo no que refere à hierarquia.
Considerando a definição de antiguidade como hierarquia, esta deve ser respeitada quando do planejamento da carreira policial militar, principalmente pelo fato da Lei nº 6.784/75, que trata de promoção de oficiais, definir em seu no Art. 1º, que a promoção é o acesso na hierarquia policial militar que deve ocorrer de forma gradual e sucessiva:
Art. 1º - Esta Lei estabelece os critérios e as condições que asseguram aos Oficiais da ativa da Polícia Militar de Pernambuco acesso na hierarquia policial-militar, mediante promoção, de forma seletiva, gradual e sucessiva. (grifo nosso)
Ora, a antiguidade se confunde com a própria hierarquia policial militar, e se a promoção é o acesso na hierarquia policial militar de forma gradual e sucessiva, a norma combatida nesta ação contraria tal preceito na medida em que permite, pelo critério de merecimento, oficiais de menor antiguidade (hierarquia menor), ser promovido em detrimento de outro de menor antiguidade.
Não obstante a desarmonia com o princípio da hierarquia, a norma impugnada vai além e permite que essa possibilidade seja majorada quando determina uma proporção de três vagas para promoção por merecimento e apenas uma vaga para promoção por antiguidade. Numa análise sistemática é certo que a promoção por merecimento favorece o princípio constitucional da eficiência na administração pública, e por isso obriga, no caso, uma flexibilização do princípio constitucional da hierarquia, entretanto essa flexibilização deve obediência ao princípio da proporcionalidade, como forma de limitar a atuação legislativa, para que esta não legitime a atuação irrazoável e desproporcional da administração pública.
Ofertar quantidade de promoção por merecimento maior que por antiguidade fomenta nada mais nada menos que a quebra da hierarquia e disciplina, pilares reconhecidos constitucionalmente pela Carta Magna de 1988, bem como vai de encontro ao princípio constitucional da proporcionalidade que, mesmo implicitamente, encontra-se inserida na Carta Maior. Assim é também o entendimento do mestre Dirley da Cunha Júnior:
...a proporcionalidade “é um importante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais.
No mesmo sentido é o entendimento do ilustre mestre Bonavides:
...em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor, no uso jurisprudencial.
É patente a inconstitucionalidade da norma perseguida haja vista sua desproporcionalidade diante do princípio constitucional da hierarquia e disciplina; tal norma está alicerçada na atuação fora dos limites da discricionariedade legislativa, e limitando direito do autor.
Não é coerente interpretar a hierarquia e disciplina sempre em desfavor do militar, como é de costume, ultrapassando os limites da discricionariedade legislativa e/ou administrativa, e mergulhando no excesso de poder. É certo que a natureza desses institutos mitiga em face de tratamento diferenciado ao militar em comparação ao servidor público civil, onde aquele se acha sob rígidas normatizações que limitam determinados direitos que para estes não são aplicadas. Contudo, as regras e princípios da hierarquia e disciplina inevitavelmente também propiciam direitos e prerrogativas aos militares de acordo com sua especificidade, clamando por aguda observância da proporcionalidade e razoabilidade.
Mesmo considerando que a promoção pelo critério de merecimento fomenta o princípio da eficiência no serviço público, desde que alicerçada objetivamente na indicação do servidor mais eficiente, a Casa Legislativa deve sopesar tal critério com os demais princípios constitucionais, e neste caso concreto com princípio da hierarquia e disciplina, sempre observando o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
O princípio da razoabilidade e proporcionalidade apresentam semelhanças no que refere a finalidade pública, pois miram à proteção dos direitos fundamentais contra condutasadministrativas e legislativas arbitrárias, desarrazoáveis e desproporcionais.
Nesse sentido, Alexandre de Moraes preconiza:
O que se exige do Poder Público, portanto, é uma coerência lógica nas decisões e medidas administrativas e legislativas, bem como na aplicação de medidas restritivas e sancionadoras; estão, pois, absolutamente interligados, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (grifo nosso)
A atuação do legislador na respectiva atividade típica que lhe compete por permissão constitucional tem como alicerce a discricionariedade que se traduz no binômio “liberdade e limitação”. Dentro dessa perspectiva reconhece-se ao âmbito legislativo o poder de compatibilização com a Carta Maior a qual lhe transmite limites que nortearão as condutas legítimas.
O poder discricionário do legislador é garantido na mesma proporção que lhe é vedado o excesso desse poder; na doutrina identificaremos essa manifestação de excesso de discricionariedade com a violação do princípio da proporcionalidade ou proibição de excesso.
A regra da proporcionalidade deve, portanto, direcionar a lei, não admitindo ir além dos limites da tutela constitucional. A liberdade do legislador deve atenção aos fins da Constituição. Inclusive quando há duas maneiras de se dar proteção a valores constitucionais, e havendo excesso em um dos lados ocorre violação de cláusula de vedação do excesso. É o que defende também o ilustre Luiz Guilherme Marinoni:
Quando há dois modos para dar proteção ao direito constitucional, considera-se ilegítima a lei que, dando-lhe tutela, não é a que a traz a menor interferência ou restrição sobre outro direito. Assim, se a lei vai além do necessário há negação da cláusula de vedação de excesso.
A conformação do legislador, ao elaborar a lei, nos limites constitucionais, traduz-se em legitimidade, qualquer que seja seu conteúdo, vedando por outro lado o excesso diante da Constituição. Não se pode contestar a discricionariedade vinculada ao legislador, a qual permite determinação do peso específico que os princípios e valores constitucionais devem ter em um caso concreto, e estabelecer regras gerais inspiradas nessa opção, contudo sendo passiva de controle de legitimidade indagando-se acerca da adequação da legislação com os princípios e valores constitucionais, tendo o judiciário a tarefa de decidir sobre a invalidação de normas por considerar que os seus autores não efetuaram uma ponderação adequada dos princípios, valores e bens jurídicos relacionados à questão.
Nas brilhantes palavras do já citado Luiz Guilherme Marinoni a lei deve, portanto, obediência aos limites constitucionais pelos quais se avalia sua constitucionalidade:
A liberdade do legislador para conformar a lei deve ser exercida dentro dos limites constitucionais. Dentro desses limites, a lei, qualquer que seja seu conteúdo, é absolutamente legítima. Veda-se ao legislador, porém, exceder ou ficar aquém dos limites da Constituição.
No caso da norma combatida é nítida a inconstitucionalidade material por haver não conformação na proporcionalidade do ato do legislador com os valores da hierarquia e disciplina consagradas na Constituição Federal de 1988, na ótica do princípio da proporcionalidade.
No caso concreto é fato a tensão existente entre o princípio da eficiência (promoção por merecimento), e o princípio da hierarquia e disciplina (promoção por antiguidade).
A questão de promoção na carreira policial militar, nas condições apresentadas, estará em conformidade com a Constituição na medida em que ofereça paridade de alternância nos critérios de merecimento e antiguidade, ofertando uma forma regular e equilibrada na carreira policial militar a exemplo da regra contida no Art. 46 da Lei nº 6.123/1968, que trata do Estatuto dos servidores públicos civis do Estado de Pernambuco, in verbis: “Art. 46. A promoção obedecerá alternadamente, aos critérios de merecimento e antigüidade na classe.”
COMO CITAR
LIMA, Maciel. Inconstitucionalidade nas promoções de militares que não obedeçam a regra do 1x1. Recife, 09 out 2014. Disponível em: http://direitomilitar-pe.blogspot.com.br/2014/09/inconstitucionalidade-nas-promocoes.html. Acesso em __ __ 201__
COMO CITAR
LIMA, Maciel. Inconstitucionalidade nas promoções de militares que não obedeçam a regra do 1x1. Recife, 09 out 2014. Disponível em: http://direitomilitar-pe.blogspot.com.br/2014/09/inconstitucionalidade-nas-promocoes.html. Acesso em __ __ 201__
A ação é uma grande restauradora e construtora da confiança. A inatividade não só é o resultado, mas a causa do medo. Talvez a ação que você tome tenha êxito; talvez uma ação diferente ou ajustes terão de ser feitos. Mas qualquer ação é melhor que nenhuma.
Norman Peal
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