A CONDUÇÃO COERCITIVA EM SINDICÂNCIAS MILITARES E OUTROS PADM

CONDUÇÃO COERCITIVA DO SINDICADO/IMPUTADO

        Em se tratando da condução coercitiva do sindicado/imputado, inicialmente é importante entender os limites do Nemo tenetur se detegere, ou comumente traduzido sob a expressão "ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo" mormente utilizado como razão de furtar-se a depor. Trata-se de um princípio consignado no Pacto de San José da Costa Rica, que em seu Art 8º, §2º, alínea "g", assegura que
"toda pessoa tem o direito de (...) não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada". Vale ressaltar ao leitor que a norma internacional foi recebida com força de norma constitucional, igualando-se a estas, por força da Emenda Constitucional 45/2004. Ainda assim, os nossos doutrinadores constitucionais já defendiam a existência dessa premissa em decorrência do Art. 5º, LXIII da Constituição Federal, que garante ao imputado o direito de permanecer em silêncio e de inclusive não ter esse silêncio interpretado em seu desfavor. Neste último senão, destaque-se inclusive que o Art. 305 do Código de Processo Penal Militar foi por isso mesmo revogado tacitamente pela previsão constitucional embora infelizmente negligenciado pela Lei 10.792, de 01/12/2003, que deu nova redação ao Art. 186 do Código de Processo Penal, essa sim com a redação constitucionalmente correta.
       Vale destacar no entanto que o militar-imputado está submetido a rígida hierarquia e disciplina castrense, e por isso mesmo cumpre ressaltar que a ele se impõe diversos deveres e dentre eles a irrestrita obediência as ordens recebidas pelos superiores e assim sendo, uma vez apresentado por ofício pelo seu comandante deve o militar cumprir a ordem de deslocamento o que não significa que está com isso abdicando de seu direito ao silêncio. Cabe ao subordinado, se apresentado por ofício, comparecer perante o sindicante/encarregado de PADM e perante este simplesmente expressar que irá se valer do direito ao silêncio.


CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHA MILITAR

       Semelhante interpretação se dá quando se trata de testemunha militar em Sindicância e PADM, mas apenas no tocante a obrigatoriedade de sua apresentação quando determinado pelo seu comandante através de ofício. Isso porque para a testemunha não se aplica o direito ao silêncio e muito pelo contrário visto que o silêncio poderá ser inclusive interpretado como crime de de falso testemunho por força do Art. 305 do Código Penal Militar.


CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHA CIVIL

       Já ao tratar de condução coercitiva de testemunha civil em Processo Administrativo é necessário uma análise sistemática para sua melhor compreensão.
      É inquestionável que a relação entre administrado e administração Pública é regida pelo princípio da legalidade. Por esta, aplica-se para a Administração Pública o princípio da Legalidade Estrita pela qual só é autorizado atuar naquilo que LEI dispuser.
        Ao tratar de sobre o tema, Jorge César de Assis assinala que conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça "a administração não tem poder de forçar o comparecimento de terceiros para prestar depoimento. A condução coercitiva é um instituto predominantemente processual, não sendo extensível ao processo administrativo disciplinar"1
        Como dissemos, ao tratar sobre o Ato Administrativo este deve estar intimamente ligado a legalidade sob risco de incorrer em crime de abuso de autoridade aquele que exceder os limites da lei.
       Ocorre que assim como Pernambuco, que previu através do Art. 16 do Decreto-Lei nº 3639, de 19/08/1975, é possível fazer a aplicação do Código de Processo Penal Militar também nos Processos Administrativos da espécie Conselho de Disciplina, outros estados da Federação também o fizeram. Para esses casos é possível a condução coercitiva da testemunha mas desde que seja através de ordem judicial requisitada pelo Presidente da Comissão Processante.
        Assim também pensa o autor citado anteriormente, do que acrescentamos o argumento de que a testemunha civil está para o Presidente da Comissão Processante assim como a testemunha está para o delegado de polícia em sua atividade administrativa e prévia do processo crime. Nisto, ambas as autoridades não tem competência para de próprio punho determinar a apresentação de testemunha civil cabendo tal premissa apenas ao representante do Judiciário.
           É importante entender que a condução coercitiva impõe uma supressão de direitos constitucionais esculpidos na Carta Magna em seu Art. 5º do que destacamos o inciso II ( ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa a não ser em virtude de lei) e XV ( liberdade de locomoção). A dizer deste último dispositivo, para a testemunha civil compelida a comparecer, contra sua vontade, para prestar depoimento em Processo Administrativo é inquestionável notar-se a supressão temporária da liberdade de ir e vir do cidadão, praticamente uma mini-prisão, pelo que impõe-se atentar ao disposto no inciso LXI do mesmo Art. 5º da Constituição que excepcionalmente permite a supressão da liberdade em caso de prisão em flagrante ou ordem judicial. Assim também entende Nucci 2  que pontua ao tratar sobre o Art. 260 do Código de Processo Penal: "Atualmente, somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração"
          É assombroso interpretar a norma renegando princípios constitucionais. Por isso mesmo não é cabível admitir que um Presidente de Comissão Processante Disciplinar Militar determine de próprio punho a condução coercitiva de particular ( civil). Tal competência é exclusiva do Juiz. 
        Mas há outra consideração a fazer.
        Conforme dito, o alicerce do Ato Administrativo é a legalidade. Assim, se não há lei que taxativamente remeta a espécie de Processo Administrativo Disciplinar Militar ao Código de Processo Penal Militar não há que se falar em condução coercitiva de testemunha. É o caso de Pernambuco onde a legislação estadual apenas previu tal hipótese no Conselho de Disciplina ( Art. 16, do Decreto estadual nº 3639/75) e Conselho de Justificação ( Lei estadual nº 6957, de 03/11/1975, c/c o Art. 17 da Lei Federal nº 5836, de 05/12/72). Assim, não é possível a aplicação da medida coercitiva em Sindicâncias, Processos Sumaríssimos ou Processos de Licenciamento em Pernambuco, que são as demais espécies de Processo Administrativo Disciplinar Militar hodiernamente existente em diversas legislações militares.


CONCLUSÃO

      A condução coercitiva deve ser entendido como meio excepcional de produção de provas imprescindível para a elucidação da verdade em um Processo. Se diz excepcional porque a nova ordem constitucional instituída a partir da Carta de 1988 impõe o respeito a LIBERDADE e DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA como imperativos que só podem ser violados de forma motivada e sempre quando não restar outros meios de produção.
      Assim sendo, mesmo admitindo-se a possibilidade de condução coercitiva excepcional de quem quer que seja em Processo Administrativo Disciplinar, cabe exclusivamente ao Juiz devidamente provocado pelo Presidente de Comissão Processante determinar tal medida a qual só se justifica quando esgotados todos meios de coleta da prova considerada como imprescindível.



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1 STJ, 6ª T, RMS 22.223-RR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 16.05.2013, apud  Jorge César de Assis. Condução coercitiva de acusado e de testemunhas no direito militar: Algumas considerações frente a apuração do ilícito penal e administrativo. Disponível em http://atualidadesdodireito.com.br/jorgecesarassis/2014/05/13/conducao-coercitiva-de-acusado1-e-de-testemunhas-no-direito-militar-algumas-consideracoes-frente-a-apuracao-do-ilicito-penal-e-administrativo/. Acesso em 12/08/2014.
2  NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. São Paulo. 2012. 11ª Ed.

2 comentários:

PETRUS disse...

Na Paraíba eles utilizam essa ferramenta. O que vc acha?

PETRUS

Ronaldo Ferreira da Silva disse...

Muito boa essa matéria, sobre condução coercitiva, mais assevero em dizer que se a condução deve ser coercitiva e não de livre arbítrio, deixa bem claro a falta de interesse da parte em prosseguir com a persecução administrativa.