Conrado José Neto de Queiroz Reis
Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade Cândido
Mendes/Rio de Janeiro (Especialização em Direito Penal e Direito Processual
Penal).
RESUMO
Esse artigo objetiva abordar a situação fática e jurídica
do interrogatório no processo penal militar, como forma de discutir sua
natureza jurídica, o direito ao silêncio do acusado e sua repercussão, bem como
os princípios norteadores que regem o ato em si. Pretende-se,
portanto, demonstrar que o Art. 305 do Decreto-Lei nº. 1.002, de 21 de outubro de 1969, Código de Processo Penal Militar, recepcionado com status de lei ordinária, mantém a positivação de uma norma que não guarda correlação com os valores constitucionais, importando em patente violação do princípio da presunção de inocência, inscrito no Art. 5º, LVII da Constituição.
portanto, demonstrar que o Art. 305 do Decreto-Lei nº. 1.002, de 21 de outubro de 1969, Código de Processo Penal Militar, recepcionado com status de lei ordinária, mantém a positivação de uma norma que não guarda correlação com os valores constitucionais, importando em patente violação do princípio da presunção de inocência, inscrito no Art. 5º, LVII da Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Interrogatório. Direito ao silêncio.
Presunção de Inocência.
ABSTRACT
This article aims to address the factual and legal situation of military
interrogation in criminal proceedings, as a way to discuss their legal nature,
the right to silence of the accused and their impact, as well as the guiding
principles governing the act itself. It is intended, therefore, demonstrate
that the Article 305 of Decree-Law n°. 1002, de October 21, 1969, Code of
Military Penal Procedure, approved with the status of ordinary law, maintains
the positive law of a standard that has no correlation with the constitutional
values, regardless of patent infringement of the principle of presumption of
innocence, enrolled in Article 5º, LVII of Constitution.
INTRODUÇÃO
O interrogatório é o ato
processual que permite ao acusado apresentar a sua versão sobre os fatos, sendo
que antes deve ser qualificado, cientificado do teor da acusação e informado do
direito constitucional de permanecer calado, exceto a obrigação de responder às
perguntas de conteúdo identificatório de sua pessoa, posto que nenhum direito é
absoluto.
Nesse sentido, Guilherme de
Souza Nucci esclarece que “o direito ao silêncio não é ilimitado, nem pode ser
exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, podem ser graves,
mormente quando o réu fornece, maldosamente, dados de terceiros, podendo
responder pelo seu ato” [1].
Não obstante, não está o
acusado obrigado a responder perguntas que lhe forem formuladas acerca do fato
objeto da persecução penal, cujo silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo.
1.
NATUREZA JURÍDICA
No processo penal comum, notadamente após o advento da
Lei 10.792/2003, o interrogatório obteve o status de meio de defesa (GUILHERME
DE SOUZA NUCCI, Código de Processo Penal
Comentado, p. 387, 6ª ed., São Paulo: RT, 2007), uma vez que se permite que
o defensor formule perguntas que entender pertinentes, conforme dispõe o Art.
188 do CPP, bem como depois da edição da Lei 11.719/2008, que o estabelece como
último ato da instrução, conforme disciplina o Art. 400 do CPP, possibilitando que
todos os pontos da acusação sejam reprochados, embora não se possa olvidar que
há a possibilidade de ser utilizado como meio de prova, em razão das
informações prestadas e até mesmo da possibilidade de confissão do ilícito
penal.
2.
DIREITO AO SILÊNCIO
O preso tem o direito de permanecer calado (Art. 5º,
LXIII CF/88), o que se estende para os acusados em geral, uma vez que ninguém é
obrigado a contrair prova contra si mesmo (Nemo
tenetur se detegere), conforme disciplina o Art. 8º, parágrafo 2º, “g” da
Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, aprovada no
Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº.
678, de 6 de novembro de 1992. Assim se manifestou o
Supremo Tribunal Federal, na ementa do Habeas Corpus nº. 68.929:
“(...) Qualquer indivíduo que figure como objeto de
procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a
condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são
constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ´Nemo tenetur
se detegere´. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito
penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da
cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio
inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado
negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a
prática da infração penal”. Idem: STF, ´Habeas Corpus´ nº 68.742 e 71.421.
No plano infraconstitucional, de acordo com o Art. 186 do
CPP, o acusado será informado do seu direito de permanecer calado e de não
responder perguntas que lhe forem formuladas, cujo silêncio não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa.
Ocorre que, no processo penal militar, de acordo com o
Art. 305 do CPPM, além de o silêncio do acusado poder ser interpretado em seu
prejuízo, as perguntas que deixar de responder serão consignadas no termo.
Ora, diante desse quadro paradoxal, caberá ao intérprete
mensurar qual dispositivo encontra guarida na Constituição Federal, de forma
que as normas sejam aplicadas conforme os fins visados pela ordem
constitucional.
Nesse diapasão, considerando que o exercício da ampla
defesa engloba o direito de permanecer calado e que uma lei infraconstitucional
não pode afrontar a Constituição, o dispositivo do código de processo penal
castrense não foi recepcionado.
Nesse sentido, caso o acusado invoque o direito de
permanecer em silêncio, não deve o juiz sequer fazer perguntas sobre o fato,
uma vez que estas não poderão ser consignadas, evitando-se que a falta de
resposta seja interpretada como uma afronta à dignidade da Justiça.
Destarte, o direito de permanecer calado exercido pelo
acusado durante seu interrogatório impede a realização e a consignação de
perguntas que não se refiram à sua qualificação. Não se trata de suprimento de
caso omisso com a utilização da legislação de processo penal comum, conforme
autoriza o Art. 3º do CPPM, mas sim da aplicação do princípio da isonomia,
evitando-se que seja utilizado dispositivo que se contradiz explicitamente com
a norma constitucional.
Destarte, data
máxima vênia, não assiste razão o entendimento de Nestor Távora no sentido
de que “nada impede que o magistrado consigne no termo de audiência as
perguntas que deixaram de ser respondidas pelo interrogado, relatando, se o
imputado desejar, os motivos invocados para permanecer calado” [2],
uma vez que essa técnica de interrogatório certamente terá repercussão negativa
na formação do convencimento do juiz, ainda que esteja disciplinada no
parágrafo único do Art. 305 do CPPM.
Portanto, não merece aplausos a decisão do legislador de
apartar a operacionalização dos procedimentos adotados no processo penal comum
e no militar, no que respeita ao interrogatório dos acusados, ainda que se
alegue que o processo penal militar tem índole sui generis, uma vez que os desigualou juridicamente, deixando de
observar o princípio da igualdade.
3.
CONCLUSÃO
O silêncio do acusado durante o seu interrogatório pode
ser exercido para se evitar a auto-incriminação, que se constitui em direito
público subjetivo oponível em face do Estado-Juiz, o qual se limitará a
qualificá-lo pessoalmente, em homenagem ao princípio constitucional do devido
processo legal, garantidor de todos os demais princípios aplicáveis ao
processo.
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